segunda-feira, 13 de julho de 2009

Iniciação: técnica descontextualizada ou compreensão do jogo?

Entenda a complexidade do jogo e a individualidade da criança que está ao seu lado, assim sua formação será completa!
Rodrigo Vicenzi Casarin

Sabe-se que o processo de iniciação no futebol deve ser realizado de forma paulatina, respeitando as necessidades e individualidades das crianças. Porém, o que observamos nos campos tupis-guaranis são “mini-craques” realizando atividades estafantes, monótonas, fora do contexto real do jogo, visivelmente impróprias para seu estado maturacional, objetivando apenas os aspectos técnicos.

Nessa linha de raciocínio, Garganta (1998) afirma que o ensino do jogo centrado principalmente na técnica individual é uma conseqüência da transposição direta de meios e métodos do treino das modalidades individuais para as coletivas, sem levar em consideração a especificidade estrutural e funcional desse último grupo de modalidades.

Diante disso, muitos professores-treinadores entendem que as crianças não devem começar a jogar futebol até que não possuam o domínio correto de todas as técnicas, desconsiderando, assim, as outras dimensões do jogo.

Se analisarmos que a iniciação, de acordo com Gomes (1999), é a fase onde irá desenvolver o ser como um todo, propiciando a formação e preparação multilateral e harmoniosa, formando uma base sólida através da diversificação das atividades, constituindo-se, mais tarde, como alicerce para as etapas seguintes, percebemos que o único meio multilateral, que desenvolve a criança como um todo, é o jogo.

Portanto, é sem fundamento nossas crianças treinarem apenas aspectos técnicos, como cruzamentos, desarmares, passes, finalizações, entre outros, sem vivenciarem por inteiro as demais dimensões do jogo. Ou seja, de nada adianta termos jogadores que executam com perfeição os gestos técnicos, se os mesmo apresentam deficiências ao nível da compreensão do jogo.

Voltando aos primórdios do nosso futebol, notamos que a aprendizagem era feita de uma forma não organizada, na rua; com bolas de diferentes tamanhos; através de jogos reduzidos de 2x2, 3x3; em espaços variados; e com um conjunto diversificados de situações-problemas.

É evidente que as crianças de hoje não são as mesmas de antigamente e que o futebol atual requer novos ensinamentos e novas exigências. Entretanto, não podemos descartar um acervo de atividades, com constantes tomadas de decisões, por atividades que não garantam a compreensão do jogo e um jogar inteligente.

Corroborando essa idéia, Vikers (2000) afirma que os exercícios baseados na tomada de decisão promovem, a longo prazo, melhores resultados na capacidade de adaptação às exigências do jogo. Já em curto prazo, o ensino tradicional centrado nos comportamentos estereotipados (técnicas) apresenta vantagens aparentes numa fase inicial da aprendizagem, não sendo confirmadas, mais tarde, na capacidade de interpretação do jogo.

Sendo assim, se seguirmos no “curto prazo”, continuaremos a formar atletas com comportamentos pré-estabelecidos, incapazes de lidar com situações adversas, fugindo do aprendizado específico que tiveram desde a época de menino na escolinha. Dessa forma, se o aluno, na iniciação, prosseguir reproduzindo determinados movimentos, ditos perfeitos, nunca entenderá a globalidade, a imprevisibilidade e a variedade situações - problemas que acontecem no decorrer do jogo.

Após essa breve reflexão, entendo que as idéias acima são suficientes para tentarmos modificar alguns vícios que perpetuam o ensino do futebol. Portanto as metodologias baseadas no jogo e sua compreensão trazem novos horizontes para o ensino do esporte.

Diante desta perspectiva, listo cinco sugestões sucintas, que podem contribuir para os professores-treinadores elaborarem seus planejamentos:

1 - Como a iniciação requer alguns cuidados em suas atividades, o processo de ensino-aprendizagem o deve apresentar uma gama de brincadeiras em forma de jogos que desenvolvam os aspectos lúdicos;

2 – Proporcionar contato com diversos matérias dentro dos jogos;

3- Definir o princípio do jogo a ser trabalhado (penetração, contenção) de forma simples, já que a compreensão geral do jogo nessa fase ainda é limitada.

4 - Aumentar progressivamente a complexidade das atividades. Exemplo: jogos situacionais (1x1, 1x1 + 1, 2x1 ...) e jogos reduzidos (regras adaptadas dependendo dos objetivos da sessão, como zonas de finalização, zonas de 3 toques, zonas livres quanto a toque, passar a bola entre todos companheiros para finalizar a gol, etc.);

5- Utilizar preceitos do voleibol, como o rodízio dos atletas, seja nos jogos reduzidos ou jogos situacionais. Nessa situação haverá uma troca constante de posições. Em tese, os alunos trocarão de posições e tarefas após um determinado tempo, experimentando as diversas situações impostas pelo jogo naquela determinada zona do campo.

Para finalizar, se quisermos no futuro jogadores inteligentes e universais, que entendam as situações-problema do jogo nos vários setores do campo, é fundamental utilizarmos o jogar. Esse jogar não é entregar uma bola e sentar na casamata ou realizar exercícios descontextualizados; é planificar jogos que desenvolvam a criatividade, a liberdade intuitiva e as tomadas de decisões, que é a maior atividade do jogo.

Crie e adapte. Entenda a complexidade do jogo e a individualidade da criança que está ao seu lado, assim sua formação será completa!

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