Para ser treinador de futebol do século XXI (e não no século XXI) serão necessários muitos estudos e anos de dedicação
Nos cursos de Educação Física sempre me deparo com fantásticos alunos que desejam ser treinadores de futebol. Também, com certa frequência recebo e-mails de jovens que me indagam sobre como ser um treinador de futebol, ou mesmo se tenho contatos com pessoas do meio futebolístico para arrumar-lhes oportunidades de estágio e emprego.
Assim, a pergunta que não quer calar seria: o que fazer para se tornar um treinador de futebol? Principalmente em um país em que ainda impera o tradicionalismo e o conservadorismo quando o assunto é futebol.
Além do fato incontestável de que, em sua maioria, a gestão do futebol está nas mãos de pessoas reacionárias que, obviamente, não querem mudanças, logo os revolucionários devem ser sufocados e suas idéias impedidas de propagação.
Esta estóica conjetura privilegia apenas os que possuem capital simbólico. E este capital simbólico não é obtido na universidade (nesta seara se obtém o capital intelectual), e sim no campo de jogo no seio de uma sociedade mitificadora (que depende de mitos).
Capital, segundo o Houaiss, significa “de relevo; principal, fundamental”, ou seja, estou querendo dizer que do modo como o futebol está sendo gerido, apenas os ex-jogadores, e famosos (de relevância, com capital simbólico), têm a oportunidade de se candidatar ao cargo de treinador.
Não é necessário estudar, preparar-se... e sim apenas aproveitar a oportunidade, ganhando jogos e se mantendo na ciranda (ou dança das cadeiras) dos palcos que se transformam os bancos de reservas dos estádios.
Sendo assim, só posso entender que existe um cenário interessante para a eclosão de uma revolução, não anárquica, mas inteligente, que poria fim às injustiças impostas por esta forma de gestão.
Digo injusta, pois esta visão tradicional, primeiro, exclui os que não têm dom, pois não pode ser jogador de futebol quem não recebeu os talentos divinos ou genéticos, e, na sequência, só pode ser treinador quem foi jogador de sucesso.
Ou seja, é preciso ser dotado de muita resignação para não aderir a esta revolução. Só mesmo tomando muito “alienol” para se manter neste estado letárgico de alienação.
Nada diferente das fábulas proféticas relatadas no começo do século XX, nos clássicos livros “Admirável mundo novo” e “A Ilha”, por Aldous Huxley, onde a resignação era quimicamente controlada por substâncias alienantes como o soma e o moksha.
Porém, só os “cegos” e os que ignoram o conhecimento científico, para não perceber as mudanças paradigmáticas que estão em curso.
Nos tempos atuais, emergem mudanças sistêmicas que, de modo avassalador, irão levar à extinção àqueles que não se adaptarem às novas exigências, agora democráticas, da profissão de treinador de futebol.
Democráticas, pois, nesta perspectiva, ser treinador de futebol não será mais determinado pelos “genes” futebolísticos ou mesmo, por pura vocação divina.
Para ser treinador de futebol do século XXI (e não no século XXI) serão necessários muitos estudos e anos de dedicação, para aquisição de saberes que levem à edificação de competências e habilidades requeridas às novas funções dos gestores de campo.
A pergunta, logo, muda. Passa de o que fazer para o que estudar, se se almeja ser treinador de futebol?
Minha sensibilidade, advinda do acúmulo de conhecimentos e experiências no meio futebolístico, diz que talvez os estudos devam começar pelas ciências humanas (a filosofia, a psicologia, a pedagogia, a sociologia, a história, a administração, a motricidade humana...).
De forma semelhante, relata de próprio punho o revolucionário treinador José Mourinho, em um capítulo do livro Motrisofia (obra organizada que reúne uma diversidade de autores comprometidos em homenagear o filósofo Manuel Sérgio).
Ele escreve: “Fiz o curso de Educação Física há mais de 20 anos, onde no meu primeiro ano conheci o Prof Manuel Sérgio. Tinha uma convicção, queria ser treinador de futebol, mas na minha época estava no auge estudar Matveyv, porém a teoria do treinamento desportivo positivista não se alinhava a minha forma de pensar. Foi aí que o Prof. Manuel Sérgio me ensinou que para ser aquilo que eu queria ser, teria de ser um especialista na área das ciências humanas. Foi assim que aprendi que um treinador de futebol que só perceba de futebol, de futebol nada sabe. Se sou um treinador singular é porque não me esqueço das lições sobre emancipação e libertação. É preciso ser livre para fazer o novo... até no futebol”.
Para interagir com o autor: alcides@universidadedofutebol.com.br
quarta-feira, 29 de julho de 2009
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